EMBAIXO DA
AMOREIRA...
Artigo IX
“...Fica permitido que o pão de cada dia
Tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que ,sobretudo tenha
Sempre o quente sabor
da ternura... “
Parafraseando Thiago de Melo , também estabeleci alguns Decretos:
I – O prazer de fazer de cada aula uma poesia!
II – Deixar-se envolver pela poesia que as crianças trazem no
dia a dia.
III – Compreender que
essa poesia é simplesmente inerente a elas (as crianças), e que nós adultos
devemos (re) aprender com as coisas que elas dizem...
“- Tia, hoje é dia de
aula de Artes com argila?”
“- Sim, vamos fazer
cerâmica Marajoara!”
Fazemos planos. Planos
de aula. Que bom que eles são, podem e devem ser flexíveis. Está prevista uma exposição
para o dia 06 de setembro. Dentro do nosso “Projeto de Pesquisa Cartas para
Mikael”, vamos organizar um painel e vamos apresentar o Carimbó, dança típica
do Estado do Pará. Dentro de todo esse planejamento está previsto também o trabalho com a argila, para
relembrar a cerâmica Marajoara. Fazer algumas peças, experimentar o prazer de
mexer no barro e transformá-lo em um objeto de arte.
No lado de fora de
nossa sala há uma amoreira, motivo de festa, alegria, sabor. Fomos para lá
“fazer nossas obras de arte”. Recebemos a visita de nossa Coordenadora, que é apaixonada pelo nosso trabalho. O prazer
de trabalhar com a argila era tanto que esqueceram o objetivo dele. Ao serem
questionados sobre o que estavam fazendo
só respondiam em coro: “ ARGILA” . Objetivo? Que objetivo? O que eu, como professora, tinha pensado com
esse trabalho? Me questiono , às vezes, quem está aprendendo o quê? Quem está aprendendo com quem? Que objetivos estamos alcançando com esse
trabalho? E quase sempre são as crianças
que me trazem de volta desses
devaneios com atos e palavras simples. Ver o prazer com o qual as
crianças utilizaram a argila, seus olhos brilhando de satisfação em transformar
e transformar o barro muitas e muitas vezes, desenhar, redesenhar, sorrir e
rir de si e dos outros. Perceber que não havia espaço para o não sou
capaz, para o não consigo, ou para outras tantas amarras que nos são colocadas cotidianamente.
Tudo isso me fez parar de pensar e
apenas observar, aproveitando a poesia
do momento.
Construir,
desconstruir, sujar-se de barro e adorar estar assim! São tantas emoções,
sentimentos, que as palavras são poucas, por vezes escassas, indizíveis (se é
que isso é possível)!
No meio dessa folia de sensações, uma aluna, após terminar
sua obra, me pergunta:
-Tia, minha mãe pediu
que a próxima vez que nós viéssemos aqui fora, eu levasse amoras para ela.
Posso pegar?
Respondi: “ Claro que
sim. “
A mãe está grávida e
com desejo de comer amoras. Aqui entra a segunda parte da poesia do momento. Não
há fotos, descrições ou teorias que expliquem o quadro que se formou (ou se
pintou) a minha frente:
Kaylanne recolhe
amoras no chão. Thainá passa a ajudá-la. Os outros mexem com a argila, conversando, sorrindo,
experimentando, molhando as mãos. Marcelo deixa sua obra para secar ao Sol e
passa também a recolher as amoras. Os
três vem com as mãozinhas cheias de amoras, vermelhas, pretas, inteiras,
amassadas, com carinho para não machucá-las e depositam no copo descartável que
eu já havia providenciado.
Não há palavras. Há
ternura, solidariedade, carinho, amor, atenção, cuidado. Compartilhamento. Há a
doçura de colher e ofertar amoras a quem se ama sendo auxiliado por quem divide
momentos de aprendizagem.
Após as obras terem sido terminadas pergunto: E aí, o que
vocês acharam de trabalhar com a argila?
Resposta geral: “ Precisamos
é fazer isso mais vezes...”
Decreto IV: Fica
terminantemente proibido não se emocionar...
Gisele de Oliveira
Silva
Professora
Alfabetizadora
Até pouco tempo atrás era bastante comum a presença de uma amoreira no quintal
das casas
. Rústicas, resistentes e de fácil cultivo eram a garantia de
frutos doces e deliciosos para a alegria de crianças e adultos. Com o
passar do tempo (e com o fim dos quintais), as amoreiras passaram a ser vistas
como plantas silvestres. Seus frutos, delicados e perecíveis, não são capazes
de sobreviver à aventura de sair do campo e chegar aos supermercados e, assim,
as amoras foram gradualmente ficando na doce lembrança de quem tinha o
privilégio de degustá-las ali mesmo, ao lado da árvore.